Minha vida não existe sem música. Mesmo quando estou no silêncio, eu
consigo ouvir música. Ou ela vem da trilha sonora da vida (barulhinho
do vento passando por entre as folhas da árvore da minha janela,
crianças gritando no playground do Russell Park, sirenes de ambulância
pelas ruas, buzinas de carro, aviões passando no céu...) ou vem da
minha cabeça - que pode ser equiparada a uma juke box tocando
constantemente. Agora ela toca uma música na voz da Marisa Monte.
Estou apaixonada pela voz dela e pelo disco novo que minha irmã me
comprou e minha mãe trouxe na mala. A voz da Marisa não sai do meu
juke box mental. Misturam-se a ela agora, as vozes do vento.
Foi 4th of July e eu passei quase o dia todo trabalhando. Fui à
piscina obrigada por mim mesma (vocês já sentiram uma dualidade dentro
da mente, uma parte dizendo 'faz isso', outra dizendo 'faz aquilo'?
pois é, ontem eu queria ir à piscina e eu queria ficar em casa,
fazendo milhões de coisas que precisava fazer no computador. eu venci
e eu fui à piscina!). Na piscina eu consegui finalmente ler uma pilha
de revistas que eu assino e não consigo ler. Levei meu discman e
fiquei ouvindo música. Quando eu uso o headphone eu percebo nuances
das canções que não tinha percebido a ouvido nu. Como são bonitas as
letras cantadas pelo Lenine, e pela Zélia Ducan, e pela Marisa Monte.
Comíamos uma pizza feita às pressas, porque as 9pm já não tinha mais
nenhum lugar aberto para encomendarmos comida. Vivemos numa cidade
pequena, nessas horas eu tenho certeza! Eu tinha um pote de tomates
frescos, colhidos pelo Pedro e trazidos pelo Uriel direto da plantação
do Tony, que é o fazendeiro mais próspero no setor tomateiro da
região. Ele planta pra fazer catchup. Na terra do hambúrguer e da
batata frita, acho que isso traduz como 'ele faz a whole lotta money'!
Os tomates são realmente bons, firmes, cheirosos, melhores do que os
ripe on the vine do supermercado. Fiz o molho da pizza com os tomates.
O Uriel ralou o mussarela. A massa era comprada pronta. Enquanto
comíamos a pizza e tomávamos uma cerveja, assistíamos o amarelado e
nostálgico Festival de Woodstock na televisão.
A música é sempre a mesma. O festival ficou congelado no tempo.
Olhávamos as crianças brincando pelo campo, entre as tendas e
comentávamos que certamente essas crianças devem ter a nossa idade
hoje. É estranho pensar que quando aconteceu o Woodstock, nos éramos
crianças brincando igualzinho aquelas do filme. Bom, mas assistíamos
embasbacados as mesmas performances que têm entretido o mundo por mais
de 30 anos. Víamos a Janis Joplin saindo fora de si e da música, num
transe totalmente compreensível para uma artista como ela. E outra vez
lá veio o quase-careca e ainda-magro Joe Cooker berrando 'a little
help from my friends'. E o pré-funkadelic Sly, com sua Family Stone
fazendo todo mundo rebolar as ancas e suar. O lindinho, hoje um
charmoso velho-hipongo de longos cabelos brancos, Arlo Guthrie,
fazendo jus à herança do seu pai Woody. Country Joe and The Fish
cantando contra a guerra no Vietnã. E o deus negro, Jimmi Hendrix,
pedindo licença enquanto beijava o céu… e nós querendo beijar os seus
pés.
Quanta música. Sempre a música. Estamos sentados, parados, ouvindo,
degustando, as sensações aguçadas, a mente voando, o corpo querendo
dançar e parece que tudo fica mais bonito, Mais alegre, mais colorido.
É sempre a mesma música, em tantas diferentes línguas, ritmos e
sonoridades. Mas dá pra viver sem ela?
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