Quinta-feira saí do trabalho e fui correndo até downtown. Comprei comida chinesa e fui na Armadillo Music. Quase tinha esquecido!! -' Vocês ainda têm ingresso pro show de sexta-feira no The Palms?'. Ufa, comprei os últimos tickets! Como sou desorganizada.... Quase que perco esse show.
Sexta-feira saí do trabalho e liguei pro Ursão: - '(bip bip bip) Não esquece que nós vamos ao show, hein? É as 8:30h, mas eu quero sair de casa as 7:45h. tchau!'. Claro que ele pegou o recado, mas chegou em cima da hora e já saímos atrasados. Eu nunca tinha ido a esse lugar chamado The Palms, que imaginava ser uma casa de show instalada num bar-restaurante, com mesas e um espaçoso jardim.
Passamos na casa dos nossos amigos que iriam nos acompanhar, entramos no carro em 'paulista style' - homis na frente e muiés atrás - e seguimos para south Davis, onde as direções no ticket nos indicavam. Nem preciso dizer que nos perdemos, e fiquei com a paciência irritada pelas confusões e pela atitude dos 'machões' do banco da frente que insistiam em não ouvir ninguém e virarem sempre na rua errada. Entramos numa região quase deserta, atrás das mansões de south Davis, e passamos em frente de um local cheio de carros onde eu vi a plaquinha : 'The Palms'. Era uma casinha no meio de uma clareira de árvores. Encontramos por mero acaso. Eu já quase chorando de raiva e frustração. - 'Se fosse um jogo de futebol nós não teríamos nos perdido, nem estaríamos atrasados...'.
Eu estava planejando ir a um show de Blues no The Palms já fazia um tempão. Mas com o Ursão sempre trabalhando nos finais de semana estava difícil conseguir me organizar. Minha diretora trouxe a programação de novembro para a casa de shows e recomendou esse da sexta-feira. Um cara chamado Joe Louis Walker iria tocar, mostrando seu novo trabalho acústico. Um negro, guitarrista de Blues, com um jeitão dos velhos blueseiros de Chicago. Ouvi um CD dele e fiquei animada. Depois soube de estórias de que ele é original da Bay Area e que cantava basicamente Gospel até entrar num buraco negro de álcool e booze... Salvou-se das drogas quando encontrou Deus e a religião, e passou a tocar Blues. Parece totalmente incoerente, não?
Quando chegamos perto do The Palms, nossos amigos comentaram num espanto: - 'Nossa! Mas é uma casinha!!'. Na realidade era um casebre! Com uma fila na porta. Umas vinte pessoas esperando por tickets. Entramos e eu quase caí das pernas. Era uma 'shack', com um pequeno bar no canto, cadeiras na frente do palco minúsculo e fotos de artistas de Blues nas paredes de madeira cheias de buracos e fendas... Uma verdadeira Juke Joint, onde os negros tocavam e dançavam o Blues nas décadas de 20 e 30! Fui transportada para aquele ambiente sobre o qual sempre li e imaginei, e me senti em casa!
Joe Louis Walker está nos seus quarenta anos. É um negro bonito e risonho, vestindo camisas brilhantes de lamê para o show. Entramos na pequena cabana e ele já estava tocando sua guitarra. Aliás ele tem várias - não só uma Lucille, como B.B.King - que vai trocando durante o show. -'É pra nenhuma delas ficar com ciúmes da outra!'', ele explica enquanto ajeita a nova guitarra no seu suporte de couro, com um desenho de pato. E segue tocando maravilhosamente, nos deixando com a pulga atrás da orelha sobre pactos com o demo feitos em nome da música! Se Robert Johnson levou a fama, por que não Joe Louis Walker? E para um convertido à palavra de Deus, esse bluesman fala muito de sexo.....
"hei, sugar mama, where did you get all that sugar of yours?"
Ele toca uma música que outro dia mesmo eu estava ouvindo com o Eric Clapton e a deixa tão sexy na guitarra que minhas pernas vão ficando wiggly woggly .... O corpo não pode ficar parado e os olhos fecham, porque não dá pra curtir toda a intensidade da música de olhos abertos. Eu bebo uma cerveja, porque 'eita semaninha pesada..putsz!' e a guitarra daquele bluesman me leva para outra dimensão.
"when a girls reaches the age of eighteen....."
Walker tira uma harmônica do bolso e caminha pela minúscula platéia. Senta-se no colo de uma loira gordinha, que o abraça afavelmente! Vai tocando e buscando braços, mãos, um outro abraço. Ele vem para o nosso lado e o Ursão reclama
- 'que cara folgado!', mas infelizmente ele não me viu, toda sorridente e chacoalhante.... Voltou pro palco e terminou...
"come see me early in the morning when i still hugging my pillow"
Pedi outra cerveja e curti meu show em cada minutinho, cada dedilhada nas guitarras, cada swing, cada nova interpretação de um hit de Muddy Waters, hot tamales they are hot, hot e me deixei possuir pelo Blues, que vai invadindo de maneira deliciosa todos os poros de nossas desbotadas peles brancas.....
"Oh, Lord, i woke up this mornin' feelin' round for my shoes,
i've got this old walkin' Blues, oh Lord and i fell like
blowin' my woh-old lonesome home."
And I ain't never been SO SATISFIED!