Boys Don't Cry
Os trailers dos filmes que antecederam a apresentação de Boys Don’t Cry no cinema traziam mulheres
em todos eles. Bette Midler como uma dona-de-casa rude e grosseira que acaba assassinada – uma
comédia de humor negro. Depois Diane Keaton, Meg Ryan e Lisa Kudrow (S-o-c-o-r-r-o!!!) em mais um
filme chato sobre três irmãs que dividem a responsabilidade do pai senil – uma comédia social. E por fim
Madonna, tendo um filho com o amigo gay, Rupert Everet - uma comédia romântica.
Tudo tão falso e irreal. Que tédio…
Nas primeiras cenas de Boys Don’t Cry, Brandon Teena (Hilary Swank) recebe um corte de cabelo do
amigo. Ajeita as roupas de menino, a meia enrolada colocada propositalmente entre as pernas para
simular o volume do pênis e sai ajeitando o chápéu de cowboy – mais uma noite de diversão num bar
qualquer de Linconl, Nebraska. Ele dança e beija as garotas e depois vai pra casa. As vezes sozinho, as
vezes perseguido por outros cowboys, que querem lhe dar uma surra. Nem sempre Brandon consegue
manter o segredo do seu charme - ele é na realidade uma garota.
Brandon Teena (ou Teena Brandon – sua versão feminina) está com problemas com a polícia. Ele decide
partir para uma cidade próxima – Falls City e recomeçar do zero, desta vez tentando não errar e não
deixar sua verdadeira sexualidade surpreender suas parceiras. Em Nebraska não há lugar para
transviados, diz uma das personagens do filme de Kimberly Peirce. Por isso Brandon vive uma vida de
riscos e segredos.
O que mais impressiona em Boys Don’t Cry é saber que o filme que assistimos na tela é uma estória
verdadeira e que se desenrolou na ainda recente decada de 90, culminando num final horrivelmente
trágico. Somos todos então testemunhas na busca de Brandon Teena por um grupo que o aceite, o ame,
o faça sentir-se confortável e em casa.
Brandon encontra o amor na figura da beleza loira e cantora de karaokê de bares, Lana Tisdel (Chlo‘
Sevigny), mas também encontra o preconceito, a intolerância e a homofobia nas mãos dos amigos de
Lana, John Lotter and Thomas Nissen (Peter Sarsgaard e Brendan Sexton III) que o estupram e mais
tarde o matam, inconformados e enraivecidos com a descoberta que Brandon era mulher.
A diretora Kimberley Peirce conta da sua fascinação quando descobriu a estória trágica de Brandon
Teena e como desenvolveu a idéia de contar todos os detalhes em um filme. Ela entrevistou Lana e
outras garotas que tiveram envolvimento sexual com Brandon e todas descreveram sua incrível
delicadeza com as mulheres – ele era lindo, gentil e sabia o que elas queriam, o que o deixou famoso e
adorado entre a população feminina da cidade.
Na escolha da atriz Hilary Swank, Peirce conta que já tinha entrevistado dezenas de pretendentes para o
papel, quando Swank veio fazer seu teste, com roupas de homem e chapéu de cowboy. A decisão foi
imediata e unânime. Brandon Teena teve a intérprete mais próxima de sua real personalidade. Hilary
Swank tem um rosto com expressões fortes e seu trabalho de construção da personagem foi perfeito. É
quase impossível não acreditar que Brandon Teena é um rapaz. E eu até pensei o quanto ele se parecia
com outros meninos que já conheci – o colega de escola Rui Mendes, ou o ator da moda Matt Damon.
Só por curiosidade: a Benetton está advogando contra a pena de morte e lançou um catálogo com fotos e
entrevistas dos condenados esperando no corredor da morte. Um deles é John Lotter, o assassino de
Brandon Teena. Ele tem 29 anos hoje, e está esperando para ser eletrecutado. Na entrevista do catálogo
da Benetton, Lotter não menciona Teena (também nenhuma questão entra nos detalhes dos seus crimes,
mas sim na sua atual condição emocional – o que mudou nele depois da condenação), mas fala da filha
Rochelle (que aparece no filme com outro nome), da imaturidade dos seus atos e de como a sociedade
empurra os menos privilegiados para uma vida de crimes. Ele expressa arrependimento. Para John
Lotter a sociedade aprecia o ciclo vicioso de violência - um matando o outro. E é por isso que a pena
capital ainda vigora em muitos lugares do mundo.
|