Dancer in the Dark



Lars von Trier declarou à mídia americana que quando ele teve a idéia de fazer Dancer in the Dark, tinha a certeza que o filme teria de ser um musical, por causa de sua paixão de infância por este gênero. Mas para von Trier o único problema em fazer um musical estava em 'como' fazê-lo, já que ele nunca teve nenhuma experiência com dança e considerava seu próprio gosto musical duvidoso ( ele confessa ainda ser fã do grupo ABBA). Mas o resultado final do filme deve ter ajudado von Trier a superar todas as suas duvidas e conflitos, porque Dancer in the Dark levou a Palma de Ouro de 'Melhor Filme' e 'Melhor Atriz' no Festival de Cinema de Cannes neste ano. Não foi uma mera bagatela.

O diretor dinamarquês de 44 anos, famoso por suas excentricidades e filmes inovadores, é um dos fundadores e organizadores do manifesto Dogma 95, que exige uma maneira mais realista de fazer filmes. Seguindo as regras desta nova (ou renovada) maneira de fazer cinema, von Trier fez Dancer in the Dark com cem câmeras digitais, que acompanhavam os atores como uma câmera doméstica filma as frivolidades cotidianas. A edição também foi feita de maneira propositalmente grosseira, com cortes abruptos, usando muitas tomadas descentradas e inúmeros close-ups. Björk compôs e von Trier escreveu as letras das músicas interpretadas pela cantora (que seria originalmente só a compositora para o filme e acabou aceitando fazer o papel principal), que dão o acabamento de fantasia para a tragédia que se desenrola na tela. O tom do filme é escuro, mas tudo combina perfeitamente bem com a história e, como num balé lindamente coreografado, o resultado é de uma beleza emocionante.

Os musicais de Hollywood encantaram a infância de Selma Jezkova (Björk) em sua vida pobre na Tchecoslováquia. Ela imigra para os Estados Unidos com a ilusão de que a vida naquele país seria igual a dos musicais que ela via no cinema. Em 1964, Selma trabalha numa fábrica de bacias de metal, numa cidade proletária no estado de Washington. Ela vive com seu filho de 12 anos num trailer e faz todo tipo de bico para ganhar um dinheiro extra. Tudo o que ela recebe, ela guarda numa caixa. Esse dinheiro é para a operação do filho, que tem nos genes a mesma doença que ela tem: Selma está quase completamente cega e o mesmo irá acontecer com o menino, se ele não for operado aos 13 anos. Hollywood foi o pretexto, mas o verdadeiro motivo da vinda de Selma para os Estados Unidos é a salvação da visão e do futuro de seu filho. Selma é ingênua e otimista. A música e o cinema são o seu refúgio. Ela ensaia para ser Maria, numa produção amadora de The Sound of Music. No cinema da cidade, com a ajuda de sua amiga Kathy (Catherine Deneuve), ela ouve os musicais enquanto a amiga descreve as danças fazendo passinhos com os dedos na palma da sua mão. No seu cotidiano penoso, Selma escapa da rotina massacrante da fábrica sonhando acordada e transformando os ruídos, sons e batidas metálicas das máquinas em música. Nos seus sonhos musicais ela canta e dança, transformando e iluminando por alguns minutos o seu pequeno mundo, que teima em ficar progressivamente cada vez mais escuro.

Björk está soberba no papel da imigrante Selma e mereceu o seu prêmio em Cannes. Dancer in the Dark não vai passar despercebido na enxurrada de filmes que inundam os cinemas. Uns vão repudiá-lo por sua crueza e trama dramática, mas muitos vão ver a beleza escondida na dureza e na dor da personagem de Björk, e vão querer acompanhá-la, ajudá-la no seu idealismo, na sua pureza e bondade e na sua dança no escuro de encontro a seu destino.




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