João de Salinas
Eu tenho um impulso obsessivo de escrever sobre o meu cotidiano e os
lugares onde vivo. Muita gente deve pensar que esse meu esforço
resulta em peças e pedaços de pseudoliteratura autobiográfica sem
nenhum valor, a não ser o de alimentar o voyeurismo escondido por trás
das subscrições de listas de discussão e visitadores anônimos de
homepages pessoais. Mas eu já estou começando a visualizar uma real
tendência dentro desse meu hobbie despretensioso. É realmente um
talento poder escrever sobre o comum - ou melhor, fazer do comum algo
especial. Ser jornalista e ser escritor podem ser conciliados. Por que
não? Eu descobri alguém que fez isso com maestria, que contou estórias
do lugar onde nasceu, de onde viveu, de pessoas comuns e vidas comum,
misturou história com ficção, foi correspondente de guerra, ganhou um
prêmio Pulitzer, um prêmio Nobel e declarou que "escrever é tão
essencial como respirar". Conhecer a obra literária desse homem e
depois um pouquinho da sua vida, me enriqueceu e me inspirou, deixando
uma certeza de que todo estilo literário é viável e válido, desde que
você acredite nas palavras que estiver colocando no papel.
John nasceu na pequena cidade de Salinas, na Califórnia, em 1902. Filho
de uma família economicamente estável, ele teve uma infância rica em
atividades físicas e intelectuais. O Vale de Salinas é uma das áreas
mais ricas em agricultura do país, chamada de "a saladeira americana",
por suas imensas terras cultivadas com hortaliças e também frutas. Foi
neste vale, próximo das cidades litorâneas de Monterey, Pacific Grove
e Carmel que John Steinbeck viveu por muitos anos, inspirando-se na
vida cotidiana desses lugares para escrever livros clássicos como
Cannery Row, Tortilla Flat, The Long Valley, The Red Pony e The East
of Eden. Em 1937 Steinbeck ganhou um prêmio Pulitzer com o seu extenso
relato da vida dos migrantes na Califórnia durante a grande depressão.
The Grapes of Wrath foi aclamado, mas também enfrentou a fogueira e a
classificação de 'literatura comunista', por seu conteúdo de crítica
social e exata descrição de um período de pobreza terrível na
sociedade americana. Seus livros viraram best-sellers, filmes e peças
de teatro traduzidos em inúmeras línguas por todo o mundo. Suas
palavras foram transmitidas em papel, em ondas de rádio e imagens de
cinema e televisão. Durante a Segunda Guerra Mundial John Steinbeck
foi correspondente de guerra, e dessa experiência nasceram outros
romances de ficção, como Once There was a War. Em 1962, o escritor
recebeu o Nobel de literatura e seus críticos foram tão cruéis,
duvidando do seu merecimento deste prêmio, que fizeram com que
Steinbeck nunca mais escrevesse uma só linha de ficção, até a sua
morte, num ataque fulminante do coração em 1968.
Na primeira vez que visitamos Monterey nos encantamos com o carisma e
a história da famosa rua Cannery Row. Quando voltamos para casa, corri
para comprar o livro de John Steinbeck que contava a vida das pessoas
comuns dessa comunidade de pescadores, trabalhadores das enlatadoras
de sardinhas, vagabundos, prostitutas e o biólogo marinho, Doc. Ler
Cannery Row podendo visualizar na minha mente o lugar onde a estória
passava-se foi uma delícia. A leitura correu solta, foi divertida e eu
nem imaginava, ainda naquele meu primeiro encontro com John Steinbeck,
o quanto iria me emocionar com seus escritos, suas estórias e seus
personagens inesquecíveis. Foi com Of Mice and Man que meu queixo
realmente caiu. Este foi um livro que mostrou o estilo descritivo e a
riqueza literária de um escritor que hoje é o orgulho dos
californianos e leitura obrigatória dos estudantes no colegial.
Nesta nossa última visita à Monterey resolvemos deixar a paisagem
estonteante da costa marítima mais cedo para trás e rumamos em direção
à Salinas, onde visitamos o National Steinbeck Center e a casa estilo
vitoriana onde o escritor nasceu e cresceu. Esse pequeno shortcut
valeu mais do que esperávamos. Durante horas passeamos pelas exibições
interativas do centro, vendo imagens, textos, ouvindo e tocando,
descobrindo mais detalhes sobre a vida de um grande escritor dessa
terra estrangeira que agora nos acolhe. É difícil para a minha pouca
habilidade literária e minha pobreza retórica descrever meus
sentimentos e pensamentos durante as horas que passei imersa nas
letras dos livros e idéias de Steinbeck. Inspiração e motivação são as
únicas palavras que me vêem à cabeça. Ali, naquele museu das palavras,
senti que posso ser jornalista e também posso escrever poeticamente
sobre as plantações de tomates (como Steinbeck fez com as de alface).
Me senti motivada para contar minhas estórias do cotidiano, relatar o
que eu vejo, minhas impressões e minhas experiências, colocando tudo
no papel, porque esse é o meu talento e o meu prazer. Escrever é
realmente tão essencial como respirar.
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