Traffic
Alguém disse que Traffic poderia ser comparado a um interminável e complexo jogo de xadrez: peões morrem aos montes, cavalos lutam para proteger os nobres, reis são destronados e repostos, rainhas tomam o poder. Movimentos cuidadosamente planejados ou instintivos e bruscos trazem vitórias e fracassos num jogo sem fim, sem heróis, sem vilões. Todos terão sua vez de ganhar e de perder.
O novo filme de Steven Soderbergh nos coloca como testemunhas de um jogo que não é nem um pouco divertido. Traffic retrata uma realidade tão chocante e ao mesmo tempo tão natural e nossa conhecida, que temos a impressão de estarmos assistindo a um documentário e não a um filme. Essa realidade brutal é a do tráfico das drogas. Neste submundo não encontramos somente os traficantes com seus quartéis e suas redes de distribuição, mas também a polícia, os políticos, as famílias e os usuários. Na guerra contra as drogas, todos são vítimas, todos são culpados.
Nas duas horas e meia de Traffic, quatro estórias se entrelaçam e se desenvolvem nas suas detalhadas tramas particulares. Benicio Del Toro e Jacob Vargas são dois policiais na cidade de Tijuana, no México. Eles são os típicos policiais envolvidos nas pequenas corrupções da vida cotidiana dessa profissão, que de repente se vêem no meio da real bandidagem dos políticos manipuladores, dos traficantes sem escrúpulos e a polícia do país vizinho. Toda a ação em Tijuana tem uma fotografia amarelada e é falada em espanhol.
A luta diária contra o tráfico de drogas em Dan Diego, Califórnia é a realidade dos policiais vividos por Don Cheadle e Luiz Guzman. Eles são responsáveis pela prisão de um intermediário ( Miguel Ferrer) que será a testemunha chave no julgamento de um grande traficante. Eles vigiam a casa e a esposa do traficante e protegem a testemunha, para que este ainda esteja vivo no dia de prestar seu depoimento.
Quando o barão das drogas (Steven Bauer) é preso, sua esposa grávida de 6 meses (Catherine Zeta-Jones) descobre que ele é um dos maiores traficantes de drogas do país. No inicio ela se sente perdida na situação inusitada, quando o padrão de vida da família parece estar comprometido. Mas com a ajuda do seu advogado (Dennis Quaid), ela decide pôr a mão na massa, para livrar o marido da cadeia e continuar os negócios da 'empresa', interrompidos bruscamente pela da prisão de seu chefe.
Michael Douglas é um juiz da Suprema Corte de Ohio, nomeado pelo Presidente dos EUA para liderar a estratégia na luta contra as drogas. Sua filha (Erika Christensen) é uma estudante de colegial com notas altas e um currículo perfeito. Enquanto o pai se prepara para atacar os quartéis das drogas, a filha mergulha no mundo dos drogados, tornando-se uma viciada e chega ao fundo do poço quando foge de uma clínica de recuperação de dependentes de drogas e vai para as ruas e para a prostituição. Toda a ação com o político e sua família tem uma fotografia azulada.
Traffic nos deixa com uma sensação de desconforto e um sentimento de angustia e impotência perante o que estamos vendo, pois sabemos que as cenas que assistimos na tela do cinema são uma cópia exata da realidade, que está fora do nosso controle. Nós sabemos o que vai acontecer. Sabemos que a guerra não vai ser vencida, que pequenos dramas vão chegar ao fim - com o renascimento ou a morte - mas que tudo irá continuar como era antes, com algumas baixas, grandes derrotas, pequenas vitórias, mas nada drástico o suficiente para reverter ou mudar a situação.
O diretor Soderbergh e o roteirista Stephen Gaghan adaptaram o roteiro de Traffik (a mini-série feita para a tv inglesa escrita por Simon Moore) e transferiram a ação original, que se passava entre o Paquistão e a Grã Bretanha, para os Estados Unidos e México. A adaptação não perdeu em veracidade ou credibilidade, o que reafirma a teoria do interminável jogo de xadrez, que migra suas batalhas entre várias fronteiras, povos e línguas, mas continua sendo um jogo sem fim, sem perdedores ou vencedores, nem vilões ou heróis.
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