Women in White
Quantos filmes eu já assisti onde os negros norte-americanos cantam
numa igreja? As mulheres com vozeirões potentes entoam palavras de
louvor ao Senhor no coro; o pastor grita e gesticula para espantar o
demônio e trazer a palavra de Deus aos seus párocos; homens, mulheres
e crianças cantam, dançando com as mãos levantadas e espalmadas,
dizendo 'Amém!', 'Aleluia!', 'Deus te abençoe!', 'Graças ao Senhor!' e
outras palavras de concordância e contentamento.
Perdi as contas de quantas vezes vi essas cenas em telas de cinema e
tv. A última vez foi há umas semanas atrás, quando revi o clássico The
Blues Brothers, e mais uma vez me encantei com a cena musical na
igreja: o coro de mulheres e James Brown de pastor comandando a sessão
de canto e dança dos fiéis, que culmina com Jake Blues [John Belushi]
tendo uma epifania, envolto em luz, dançando e cantando com o resto
dos negros na igreja.
Eu sou amante do Blues, a música do demônio, dos marginais, dos
bêbados, drogados, do sexo, da dor de cotovelo, enfim, o oposto do que
é cantado nas igrejas. O Blues e o Gospel não se misturam. Quem canta
Gospel não canta Blues. Dois estilos antagônicos - onde um glorifica o
Senhor e o outro faz pactos com o diabo - mas ao mesmo tempo tão
similares na maneira gutural como a música é cantada, vinda da alma,
em transe, em êxtase.
Minha experiência com o Blues tem sido gratificante, mas eu ainda não
tinha tido a oportunidade de ouvir o Gospel na fonte, onde ele é mais
genuíno e autêntico: na igreja. Mas o meu dia chegou quando eu li no
jornal que a Igreja Batista do Novo Testamento de North Highlands [uma
das inúmeras cidades pertencentes à grande Sacramento] iria ter um
concerto de Gospel aberto ao público, para celebrar o 'Women in White
Workshop Choir'. Eu não tinha a menor idéia do que iria encontrar lá,
mas estava decidida a ter finalmente a minha vivência da música negra
sagrada, em devoção ao Senhor.
Era uma igreja pequena, na esquina de uma avenida numa área isolada.
Quando chegamos muitas mulheres vestidas de branco já estavam na
porta. Todas negras, sorridentes, perfumadas, alegres, em alvoroço, se
preparando para entrar. Fomos procurar um lugar para sentar, meio
tímidos, sorrindo também e uma senhora nos recebeu na porta e nos deu
as boas-vindas e o programa da cerimônia. Fomos sentar na frente, na
terceira fileira de bancos de madeira, porque eu queria ver, ouvir e
fotografar cada movimento, cada dó, ré, mi, sol...
O coral era composto por mais de 120 mulheres, com idades variando
entre 5 e 75 anos, todas vestidas de branco. Quando os músicos [piano,
órgão, bateria, baixo e saxofone] começaram a tocar os primeiros
acordes da música inicial, elas começaram a entrar na igreja, vindas
da porta principal, que emoldurava o grupo numa luz brilhante de final
de tarde. Elas entraram dançando em movimentos ritmados, pra lá e pra
cá e a partir daquele momento eu não consegui mais me achar ali
naquele banco, tentando pegar a câmera e ao mesmo tempo disfarçar os
borbotões de lágrimas que rolavam descontroladamente pelo meu rosto.
Fiquei tão emocionada que tremi todas as fotos. As mulheres mexiam os
braços, erguiam as mãos pro céu e dançavam suavemente ao ritmo da
música, cada uma achando o seu lugar no mundaréu de cadeiras no vasto
altar da pequena igreja. Quando todas estavam em seus lugares, cento e
tantas vozes potentes se soltaram num único som, cantando juntas 'He
Made The Difference'.
Na igreja lotada, nós éramos a minoria, que podia ser facilmente
reconhecida pelo tom de pele branquelo. Fizemos a social com nossa
vizinha de banco, que depois das apresentações perguntou à qual igreja
pertencíamos. Balbuciamos um 'ahn.. nhu... Católica!'. Os vizinhos do
banco de trás, dois casais nos seus 70 anos, comentavam sobre o jogo
do Kings do domingo. A celebração durou três horas, com muita música,
palavras de louvor ao Senhor e até a benção do pastor, que chamou
todos para pedir ou somente agradecer graças recebidas e os que foram
ganharam uma oração, enquanto o resto gritava 'Amem!'', 'Alleluia!',
'Praise the Lord!', 'God is Mercy!', entre inúmeras outras exclamações
de alegria e louvor.
As mulheres cantaram como divas, no coro e em solo. Algumas deveriam
estar gravando discos e tirando lucro do seu enorme talento, mas invés
disso elas escolheram dedicar suas vozes ao Senhor. Mulheres lindas,
com sorrisos enormes, jovens, maduras, casadas, solteiras, todas
negras, de todos os tons , todas me emocionando às lagrimas e me
deixando com uma cara de imensa paz e alegria no final. Na saída, o
senhor do banco de trás pegou na minha mão e deu tapinhas no meu braço
enquanto dizia 'Beautiful! You're beautiful!'. Confraternizamos com
muitos dos fiéis, enquanto procurávamos um banheiro. Alguém nos disse
'voltem no próximo ano!'. No espelho do banheiro eu vi um rosto
cansado, os olhos ardiam de tanta lágrima e emoção, mas o coração
estava suspirando.... Eu experimentei o Gospel!
Comentamos sobre artistas como Mahalia Jackson, Aretha Franklin, Tina
Turner, Whitney Huston e muitas outras que cresceram cantando e
ouvindo o Gospel, nas igrejas onde as mães, tias, avós, irmãs, amigas,
vizinhas também cantavam. Cresceram praticando e desenvolvendo a voz e
o ritmo, cantando músicas em louvor ao Senhor. Que sorte e que
privilégio!
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