Minha Viagem com Zelia Gattai
Graças à minha querida amiga AnaGon, que num gesto lindo de delicadeza
e gentileza me enviou um presente pelo correio, eu pude me deliciar
com as histórias de uma escritora que eu sempre admirei e sou fã:
Zélia Gattai. Em poucas horas, deitada na cama a noite, eu li Città di
Roma, onde Zélia mais uma vez volta ao passado, contando detalhes de
sua infância e sua vida em família. Foi como fazer eu mesma uma viagem
ao passado, não só ao da escritora, mas também ao meu e de minha
família italiana, que deve ter vivido as mesmas experiências da
família de Zélia. Os Iumattis e Mazullos vieram mais tarde que os
Gattai e os Da Col para o Brasil . Os meus italianos vieram do sul, de
Potenza, mas também se instalaram em São Paulo, no Bom Retiro e dali
criaram seus filhos para o mundo. O livro da Zélia provocou
reminiscências que estavam adormecidas lá no fundo da minha memória e
tocou forte no meu coração. Através da Dona Angelina eu vi minha
bisavó (que criou a minha mãe e meus tios), minha avó ( 'a santa e a
mártir', que morreu nova), e minha mãe. Através do Seu Ernesto eu vi
meu avô (dono de uma serralharia, que teve momentos de riqueza e de
pobreza como o Gattai) e toda a família, cheia de tios e primos, que
refletiu como se fosse a minha. Quanta delícia ler e relembrar as
expressões em italiano que fizeram parte da minha infância, ouvindo
minha mãe, tios e tias falarem: 'porca miséria', 'caspita', 'que
chivetta', 'mamma mia', 'manacha' e frases como 'mangia de questa
minestra o salta de questa finestra' que minha mãe pronúnciava 'ou
come esta minestra ou se atira pela finestra'! Zélia, com Città di
Roma, provocou uma enxurrada de lembranças e nostalgia no meu peito de
imigrante ao quadrado. Lembrei da maneira de falar dos meus parentes
italianos e seus descendentes, todo o jeitão da nossa família, as
macarronadas de toda quinta-feira e domingos (até hoje uma tradição
pra nós) e um modo de viver que eu já tinha me esquecido como era.
Fechei o livro ontem, após ler as últimas palavras da escritora, em
prantos. Tanta lágrima que lavou meu rosto e soluços de tristeza,
porque eu queria ler mais e não queria saber que Wanda, Vera, Tito,
Remo, Angelina e Ernesto estão todos mortos e Zélia é a única que
restou dos irmãos. Fiquei um tempão pensando na minha vida, como
éramos os quatro irmãos nas casonas da nossa infância e como hoje meus
pais devem se sentir, tendo dois filhos morando tão longe. Pensei na
nossa aventura particular, que não embarcamos num navio, mas viemos
procurar por coisas novas num outro país, falamos as línguas
misturadas, e sei lá se teremos netinhos que ouvirão norueguês e
português e responderão em inglês. Quero um dia poder olhar pra trás,
como a Zélia, e ser capaz de me lembrar tantos detalhes dessa vida tão
rica e colorida que vivemos sem prestar muita atenção. Obrigada,
Aninha, por esse lindo presente!
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